Cheiro de corpo suado nos lençóis como fragrância esquecida, seu rosto muito branco e seus cabelos como tinta negra escorrendo pelo travesseiro, formando uma cortina que emoldura seus olhos rasgados, seus lábios vermelhos, dentro desse quarto rodeada por vasos de porcelana, dragões de bronze, bonzais manicurados dentro de delicados potes de madeira pintados de verde. Penso em outra coisa, quero lhe perguntar sobre o que aconteceu ontem à noite. Quem tomou aquele trem? Quem era aquele homem que agora deve estar morto?
0 Comments
Passinhos curtos. 1, 2, 1, 2.
Voz de vidro e o rosto do garoto redondo como um pandeiro. Vamos, vamos. Passos curtos. 1,2, 1,2 e para o lado direito e esquerdo e agora braços arqueados. Vira e volta, tenta de novo, vamos. As pernas dela bonitas e longas, sapatinho preto e o garoto empenado como guarda roupa velho. Olhos escuros, muito sério, toda sua concentração na sola do pé e no calcanhar. 1,2, 1,2. Algo que vai e volta.
O que está enclausurado na caixinha de tesouros? É ouro? É ouro? Formiguinha negra. Preciso comprar pão, notas dobradas, encardidas. Meus pensamentos acorrentados um no outro. Assim, assim, numa sucessão sem fim. Sem fim. Blop, blop, bolinha de sabão. Blop, blop. Espatifou-se jogando água nas crianças. "Horácio vai andar por aí procurando coisas" A soprano gorda encharcada de chuva com o casaco fedendo a pano de chão encardido Uvas verdes na bancada do turco da esquina Uma garrafa de vodca barata O escritor que foi atingido por um carro e levado ao hospital A Maga com o guarda-chuva quebrado que encontrou no parque Suas próprias idéias como peixes dentro de um aquário O rio surrealista e subterrâneo místico Cheiro de pó dos livros esquecidos nos sebos de Buenos Aires Forno, cigarras, frutas na calçada na porta da loja, dragonfruit (que nome teria em português?), figos, me lembram do mediterrâneo que nunca conheci, seria bom, ilha grega, mar azul. Conveniente o enorme guarda-sol na esquina, esperando o sinal ficar verde, o chinês senhor que pára ao meu lado me olha de cima abaixo. Tomo muito espaço na sombra? O sinal nem ficou verde e avançamos, já que alguns carros pararam, encontro com os que vem em sentido oposto na segunda pista, onde os carros dobram a direita e disputam o asfalto com os pedestres. Chinês pára, eu sigo em frente, sem olhar para o lado. Sigo, sigo, sigo. Calor danado, devagar para não suar demais, jovenzinhas com sombrinhas, florezinhas e o fundo negro contra os raios de sol que se enfiam na nossa pele, jovenzinhas de shorts, cabelos negros soltos, lisos, pele branco-leite. Toilete público, funcionárias da limpeza conversando com um homem de uniforme sentado numa motinha, walkie-talkie esperneando na sua cintura, cheiro de incenso, estação de ônibus, chineses esperando, árvores na calçada jogam as sombras de suas copas no chão, troncos com pele de vitiligo. Boca da estação, linha quatro, frescor, descendo as escadas, cartão do metrô, mochila no aparelho, a chinesa ao lado não atende aos apelos da mulher da segurança uniforme cor de rosa, cabelos presos. Um engraçadinho entra na minha frente, passo o cartão na máquina ao lado, enquanto ele fica emperrado, satisfação da minha parte, sou mais rápida do que ele. Descendo a escada, branco-leite na minha frente, magrelinha como uma galinha despenada. Aguardo o metrô chegar para me levar para a próxima parada. A próxima parada. As fadinhas com varinhas na mão batem asas e jogam pozinho de pirlimpimpim A boneca se espreguiça e as janelas fechadas Todos dormem As fadinhas riem sem os dentes da frente, banguelinhas executam piruetas de louva-deus e agitam suas asinhas cintilantes e a lua quer entrar no quarto se ela atravessa a cortina se ela se força pela sombra da noite o que acontecerá? Uma bailarina dança no centro do meu medo Uma bailarina com asas de borboleta Ossos de lagartixa Uma bailarina se olha no espelho no centro do meu medo Eu sem ossos Com pele de lagartixa Transparentes. Os olhos dela Inquebráveis. Os meus medos Os ossos que dançam no centro do espelho Eu de asas Como uma borboleta bailarina dançando no espelho do meu centro Calor, calor, calor, fornalha acesa. Fazia esse calor todo no Brasil? Certo que sim, mas não me preocupava com o ar poluído. Nos finais de semana podia ir para a praia de manhã e à tardinha me fechar no cinema refrigerado, tão frio que ia com casaco e meia. Assistir a filmes encolhida no escuro chupando balinha de caramelo. Tira de mim essa que é, como um furúnculo. Tira de mim essa gosma, que dói. Tira de mim esse ser que engoli ontem à noite. Ando por um matagal, vinhos, milharal. Eu me perco no meio das palavras. Deixa ir. Minha própria língua que molho e passo pelos lábios. Tira de mim essa outra que sou eu mesma. Uma joaninha bate asas na minha folha e voa sentido céu azul. Sol, rede, manhã, suco de goiaba, mar, brisa, sal, peixe, tomate e eu olhando as ondas. Onda, onda, onda, onda, onda, onda. Bate em mim boi, pasto, cheiro, rio, água, árvore. Bate, bate, bate. Pedra, concha, folha, graveto. Sereia, boto, lenda. Ciganos e música e roda e palmas e roda, saia e palmas, vermelha, roda, perfume, mulher, flor, cabelo, roda, roda, roda. Tonta, onda, mar, bate e vem e vai e joga e bate, areia, barco, remo. Vem e bate. Saudade. |
Blog da ClauAmenidades. Categorias
All
Arquivos
December 2023
|