Tira de mim essa que é, como um furúnculo. Tira de mim essa gosma, que dói. Tira de mim esse ser que engoli ontem à noite. Ando por um matagal, vinhos, milharal. Eu me perco no meio das palavras. Deixa ir. Minha própria língua que molho e passo pelos lábios. Tira de mim essa outra que sou eu mesma.
0 Comments
Uma joaninha bate asas na minha folha e voa sentido céu azul. Sol, rede, manhã, suco de goiaba, mar, brisa, sal, peixe, tomate e eu olhando as ondas. Onda, onda, onda, onda, onda, onda. Bate em mim boi, pasto, cheiro, rio, água, árvore. Bate, bate, bate. Pedra, concha, folha, graveto. Sereia, boto, lenda. Ciganos e música e roda e palmas e roda, saia e palmas, vermelha, roda, perfume, mulher, flor, cabelo, roda, roda, roda. Tonta, onda, mar, bate e vem e vai e joga e bate, areia, barco, remo. Vem e bate. Saudade. O pensamento é um pássaro, um rio, terra preta. Sou uma flor, formiga. Encontro minhocas no solo e pesco com elas peixes enormes que como com pimenta. Quando for embora, vou deixar para trás todos esses cadernos e diários. Você vai poder me reconstruir linha por linha. Pensamento sem corpo. Finalmente livre e ao mesmo tempo reduzida a algo acabado. A morte é injusta com aquele que tem necessidade de vingança. A velhice também. A velhice do agressor nos deixa impotentes. A agressão perde sua força, esquecida, pálida como algo próximo de desaparecer. Grafite apagado. Mas por quê te falo de vingança? Se bem no fundo queria te deixar com outra coisa. Um pedido. Fique comigo. Dentro de casa, dentro da garrafa, do jarro, borboleta amarela, azul, branca como cópia delicada de uma história perfeita.
Aquele que se acha um gênio despeja tudo na página, linhas pontilhadas, luz que me ilumina. Marcelo suspira sentado no sofá, ouvindo o programa pelos fones de ouvido, caneta bic. Estou acostumada a ficar sem nada, arroz e tudo, lagarta, ovo e a roupa para ser passada. Lá fora faz um calor infernal, fornalha pronta para assar quem caminha pela rua.
Cigarras são vendidas na esquina, dentro de casinholas de palha, vivas, fazendo um barulho danado. A manhã se espreguiça com lerdeza de gato. A máquina de lavar enche de ruído a área de serviço. Cortinas fechadas me isolam de tudo isso. Do calor, do chinês vendendo cigarras, da máquina de lavar, da manhã mesmo. Rádio ligado, jazz, orquestra ressuscitando acordes antigos, unha pedindo para ser feita, bifes, me faz, me faz, me pinta de vermelho, me tira desse mundo ordinário de pias cheias de louças gordurosas e me traz para um close up de cinema enquanto a heroína fuma um cigarro com suas pálpebras pintadas de azul e seus cílios negros se abrindo e fechando com delicadeza de asas de borboleta. |
Blog da ClauAmenidades. Categorias
All
Arquivos
November 2020
|