Passinhos curtos. 1, 2, 1, 2.
Voz de vidro e o rosto do garoto redondo como um pandeiro. Vamos, vamos. Passos curtos. 1,2, 1,2 e para o lado direito e esquerdo e agora braços arqueados. Vira e volta, tenta de novo, vamos. As pernas dela bonitas e longas, sapatinho preto e o garoto empenado como guarda roupa velho. Olhos escuros, muito sério, toda sua concentração na sola do pé e no calcanhar. 1,2, 1,2. "Horácio vai andar por aí procurando coisas" A soprano gorda encharcada de chuva com o casaco fedendo a pano de chão encardido Uvas verdes na bancada do turco da esquina Uma garrafa de vodca barata O escritor que foi atingido por um carro e levado ao hospital A Maga com o guarda-chuva quebrado que encontrou no parque Suas próprias idéias como peixes dentro de um aquário O rio surrealista e subterrâneo místico Cheiro de pó dos livros esquecidos nos sebos de Buenos Aires Tira de mim essa que é, como um furúnculo. Tira de mim essa gosma, que dói. Tira de mim esse ser que engoli ontem à noite. Ando por um matagal, vinhos, milharal. Eu me perco no meio das palavras. Deixa ir. Minha própria língua que molho e passo pelos lábios. Tira de mim essa outra que sou eu mesma. O pensamento é um pássaro, um rio, terra preta. Sou uma flor, formiga. Encontro minhocas no solo e pesco com elas peixes enormes que como com pimenta. Quando for embora, vou deixar para trás todos esses cadernos e diários. Você vai poder me reconstruir linha por linha. Pensamento sem corpo. Finalmente livre e ao mesmo tempo reduzida a algo acabado. A morte é injusta com aquele que tem necessidade de vingança. A velhice também. A velhice do agressor nos deixa impotentes. A agressão perde sua força, esquecida, pálida como algo próximo de desaparecer. Grafite apagado. Mas por quê te falo de vingança? Se bem no fundo queria te deixar com outra coisa. Um pedido. Fique comigo. Dentro de casa, dentro da garrafa, do jarro, borboleta amarela, azul, branca como cópia delicada de uma história perfeita.
Aquele que se acha um gênio despeja tudo na página, linhas pontilhadas, luz que me ilumina. Marcelo suspira sentado no sofá, ouvindo o programa pelos fones de ouvido, caneta bic. Estou acostumada a ficar sem nada, arroz e tudo, lagarta, ovo e a roupa para ser passada. Um constante observar o exterior e medir os ecos dentro de mim.
Existe um mundo lá fora? Não está tudo dentro da minha cabeça? Tudo que arranjo no mundo reflexo do que crio em forma tridimensional na mente. As histórias que leio e as que crio. Tudo, tudo inventado. O rosto das pessoas e as coisas que sinto. Procuro nomes para elas. Quando não encontro, chego a duvidar de que existam. David Bowie: "It's happening outside.
The music is outside. It's happening now, not tomorrow, yesterday. It's happening now". Não posso deixar de me sentir encarcerada na caixinha mágica, tentando me conectar com um mundo, algo que é ilusório e ao mesmo tempo possível. Ilusório pois na maior parte do tempo estamos falando sozinhos. Quando não, se processa algo maravilhoso ao interagirmos com alguém a meio mundo distante. Ninguém pode negar a utilidade da Internet. Da mesma forma que ninguém pode ignorar o desperdício de tempo e a solidão que ela cria. Um grafite nos muros de Teerã: "Share my loneliness with me". "Está acontecendo lá fora. A música tá lá fora. Está acontecendo agora, não amanhã, ontem. Está acontecendo agora." - Outside, David Bowie "Divide minha solidão comigo" - grafite nos muros de Teerã, Irã. Porque os outros têm mais a dizer
Porque estou sem tempo desmotivada sem paciência de enfileirar as palavras na ordem certa Porque: "Eu tinha treze anos. Ter treze anos é como estar no meio de lugar nenhum" soa melhor do que todo o blabla que ando despejando na folha em branco |
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