Me sinto a pior das criaturas.
Dor na perna, cólica, vontade de ficar num canto. Gregor Samsa embaixo da cama empoeirada com uma maçã cravada numa parte do seu corpo. Apodrecendo. Destino da carne. Sou prisioneira desse dia, desse tempo. Desse ano. Há escapatória? Ouvir música ajuda. Entrar num livro. Fazer planos para os dias bons. "I think I'm about to fall. Deeper and deeper..."
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K.
Por que estou aqui? Imagine esse personagem cujo sentido na vida ele ainda não sabe, mas está lá. No quarto de hotel onde estamos fede a peixe e o barulho do ventilador incomoda Marcelo. Eu resolvi que não tomaria banho e lavei minha blusa. Agora estou sentada, depois de ter tomado vinho durante o jantar. Conversamos sobre o comunismo. Nessas horas eu percebo como a vida é insignificante, como toda vida é insignificante. Não pela sua falta de importância singular, mas pelo simples fato de que existe um mundo que existe e continuará existindo independente de nós. Um mundo que não se importa com o que acreditamos ou com o que deixamos de acreditar. A vida é um carrossel que roda incessantemente. Se não fosse eu, seria uma outra que estaria escrevendo essas palavras no meu lugar. Ao mesmo tempo sei que não existe nenhuma pessoa como eu. Parece contraditório, mas não é. A flor é única, mas é a primavera que a faz desabrochar. E existiram milhares de flores do mesmo tipo nos anos que nos precederam, assim como existirão milhares de flores do mesmo tipo nos anos que nos sucederão. Primavera, verão, outono, inverno, primavera ... Imagine essa que procura os vestígios de uma outra, imagine essa que no fim descobre que essa outra é ela mesma. Imagine uma que procure as verdades. Eu procurei, eu me lembro dos muros do colégio, aquelas pedras vermelhas. Andando por aquela rua eu pensei em algo, eu pensei no agora, eu quis, eu vislumbrei um pedaço desse momento e agora me vem quase nítido andar por aquela rua e os sonhos que tive. Os quarteirões escuros e tudo mudado e isso faz mais sentido do que a realidade daquela época, uma realidade que nunca serei capaz de relembrar porque essa memória de sonho é mais forte. Andando pela rua e querendo com tanta força saber a verdade. Suspeitando de que a verdade estaria em algum lugar, no momento atual. Boa noite, querida, as ruas daquela cidade como labirintos em minha mente. Me sinto triste e tenho vontade de chorar. Eu me lembro de andar a esmo, de ter medo, desejar um outro futuro, fugir dali. Eu me lembro e essa lembrança enche meus olhos de lágrimas e me queima a pele. O tempo é algo assim como um trem que nos desloca do lugar onde estamos, sem que precisemos movimentar nosso corpo. Permanecemos sentados olhando pela janela, nos sentindo como crianças, hipnotizados pela paisagem, pelo vento contra o rosto. E quando chegamos no destino, somo já outros, distantes do que éramos, distantes do que deixamos para trás, sem que tenhamos noção disso. Apenas quando nos olharmos mais uma vez no espelho e vermos nossas rugas de expressão nos será claro, o trem nos levou e nós permanecemos parados. Esse texto foi inspirado por esse de Kafka: "31. Juli. 1917 In einem Eisenbahnzug sitzen, es vergessen, leben wie zu Hause, plötzlich sich erinnern, die fortreißende Kraft des Zuges fühlen, Reisender werden, die Mütze aus dem Koffer ziehn, den Mitreisenden freier, herrlicher, dringender begegnen, dem Ziel ohne Verdienst entgegengetragen werden, kindlich dies fühlen, ein Liebling der Frauen werden, unter der fortwährenden Anziehungskraft des Fensters stehn, immer zumindest eine ausgestreckte Hand am Fensterbrett liegenlassen. Schärfer zugeschnittene Situation: Vergessen, daß man vergessen hat, mit einem Schlage ein im Blitzzug allein reisendes Kind werden, um das sich der vor Eile zitternde Waggon, anstaunenswert im Allergeringsten, aufbaut wie aus der Hand eines Taschenspielers." Kafka em algum dia do ano 1910 reclama dos cinco meses que se passaram sem que ele conseguisse escrever algo que o deixasse satisfeito. Se sentindo como uma palha seca, cujo destino é ser queimada numa tarde de verão, ansiando e temendo por isso, ele se pergunta se é infeliz. E chega a conclusão que após esse tempo de incapacidade de escrever não se sente infeliz, nem feliz. Ele não sabe como se sente. Ler os diários de Kafka me faz suspeitar de que todo o escritor sofre do mesmo mal. Essa necessidade de tirar de si, o que ele sabe que possui, todo essa imensidão de sentimentos que precisam ser expressados. Ao mesmo tempo uma eterna frustração, principalmente nos dias que por algum motivo ele não se senta e escreve. Eu me sinto assim às vezes. Como um animal preso. Nós que temos vocação para pássaros e vivemos numa gaiola. Nós que temos vocação para voar e que temos medo de não conseguirmos. Se apenas soubéssemos que não é preciso esforço nenhum. Que o vôo está escrito em nosso gene. Apenas é uma questão de pular, fechar os olhos e sentir o vento. Kafka conseguiu como ninguém desnudar a alma de seus contemporâneos. Quando o leio tenho a sensação de que falo com alguém que entende as nuanças obscuras de nossa existência. Entende questionando, entende porque as vivencia e não por que formula teoria sobre elas.
Nessas horas tenho vontade de correr, de gritar, escrever adentrando a noite. Tenho vontade de me jogar de um prédio alto, de entrar numa nave espacial e viajar para um lugar distante no universo. Tenho vontade de ser sincera, de ser eu mesma e de aceitar que os momentos obscuros que me visitam fazem parte da normalidade da vida. Aceitá-los sem ter medo de enlouquecer. |
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