Sobrevivi ao dia Tomando chá de camomila Ouvindo o realejo Que engoliu um macaco Pulando corda Sem corda O dia passou Sem que eu tomasse banho Sem que caísse na bacia Sem arear panelas Descrença de que exista Deus De que exista céu Inferno nem pensar Pensando bem, pode até ser Quem comeu minhas bananas?
0 Comments
Tristeza, um lugar, como um mar onde se pode mergulhar.
Tristeza, água fria, que nos abraça, envolve. Há momentos que dá vontade de pular dentro dele e de olhos abertos ficar olhando o azul infinito, hipnótico. No fundo onde se ouve apenas a pressão nos ouvidos. Fechar os olhos e sentir, atravessando todo o ser. Tornar-se parte dele, estender-se para além do conhecido, esquecer-se do corpo, flutuar, sem peso até não ser nada além de azul. Algo que vai e volta.
O que está enclausurado na caixinha de tesouros? É ouro? É ouro? Formiguinha negra. Preciso comprar pão, notas dobradas, encardidas. Meus pensamentos acorrentados um no outro. Assim, assim, numa sucessão sem fim. Sem fim. Blop, blop, bolinha de sabão. Blop, blop. Espatifou-se jogando água nas crianças. Forno, cigarras, frutas na calçada na porta da loja, dragonfruit (que nome teria em português?), figos, me lembram do mediterrâneo que nunca conheci, seria bom, ilha grega, mar azul. Conveniente o enorme guarda-sol na esquina, esperando o sinal ficar verde, o chinês senhor que pára ao meu lado me olha de cima abaixo. Tomo muito espaço na sombra? O sinal nem ficou verde e avançamos, já que alguns carros pararam, encontro com os que vem em sentido oposto na segunda pista, onde os carros dobram a direita e disputam o asfalto com os pedestres. Chinês pára, eu sigo em frente, sem olhar para o lado. Sigo, sigo, sigo. Calor danado, devagar para não suar demais, jovenzinhas com sombrinhas, florezinhas e o fundo negro contra os raios de sol que se enfiam na nossa pele, jovenzinhas de shorts, cabelos negros soltos, lisos, pele branco-leite. Toilete público, funcionárias da limpeza conversando com um homem de uniforme sentado numa motinha, walkie-talkie esperneando na sua cintura, cheiro de incenso, estação de ônibus, chineses esperando, árvores na calçada jogam as sombras de suas copas no chão, troncos com pele de vitiligo. Boca da estação, linha quatro, frescor, descendo as escadas, cartão do metrô, mochila no aparelho, a chinesa ao lado não atende aos apelos da mulher da segurança uniforme cor de rosa, cabelos presos. Um engraçadinho entra na minha frente, passo o cartão na máquina ao lado, enquanto ele fica emperrado, satisfação da minha parte, sou mais rápida do que ele. Descendo a escada, branco-leite na minha frente, magrelinha como uma galinha despenada. Aguardo o metrô chegar para me levar para a próxima parada. A próxima parada. Calor, calor, calor, fornalha acesa. Fazia esse calor todo no Brasil? Certo que sim, mas não me preocupava com o ar poluído. Nos finais de semana podia ir para a praia de manhã e à tardinha me fechar no cinema refrigerado, tão frio que ia com casaco e meia. Assistir a filmes encolhida no escuro chupando balinha de caramelo. Quando for embora, vou deixar para trás todos esses cadernos e diários. Você vai poder me reconstruir linha por linha. Pensamento sem corpo. Finalmente livre e ao mesmo tempo reduzida a algo acabado. A morte é injusta com aquele que tem necessidade de vingança. A velhice também. A velhice do agressor nos deixa impotentes. A agressão perde sua força, esquecida, pálida como algo próximo de desaparecer. Grafite apagado. Mas por quê te falo de vingança? Se bem no fundo queria te deixar com outra coisa. Um pedido. Fique comigo. O lugar que existe em algum ponto no espaço ou entre quatro paredes de meu pensamento.
O lugar, perdido para todos aqueles que não eu mesma. Sinto uma excitação ao saber que há a possibilidade de visitá-lo, revê-lo. Todas as minhas coisas guardadas em caixas em algum galpão da Alemanha. Todas as minhas coisas, dissociadas de mim e de minha vida nesse momento no tempo. Primavera chega, sinto o calor da vida, rebentando brotos de flores, acordando vermes, bactérias e insetos. Todas as formas de vida. Mais um dia.
Céu e mar de um azul muito nítido. Tons matizados. Verde das árvores, do gramado. Areia marfim. Pequenos caranguejos albinos correndo de lado, enfiando-se nos buracos. Reflexos prateados na superfície azul cobalto da água. Profundidade que hipnotiza, acalma. Brisa que sacia o corpo. Água na temperatura ideal, que engole braços e pernas. Ficar boiando encarando o céu azul lavado. As nuvens como pinceladas brancas. Ouvir os pássaros e as cigarras que cantam às seis da manhã e as seis da tarde. Todos os dias O novo ano para os chineses se inicia na quinta-feira dessa semana, ou seja, dia trinta de janeiro. Ano do cavalo.
Gosto de poder estar dentro desse processo de terminar e iniciar, mais uma vez. É a terceira vez em curto espaço de tempo. Na firma em que trabalho o ano se inicia em outubro. No ocidente o ano se inicia em janeiro e para os chineses, dependendo da lua, pode ser no final de janeiro (como em 2014) ou em fevereiro. Então digo mais uma vez adeus. Seja-bem-vindo novo ciclo com tudo de bom e ruim que se tenha para desfrutar. Me sinto a pior das criaturas.
Dor na perna, cólica, vontade de ficar num canto. Gregor Samsa embaixo da cama empoeirada com uma maçã cravada numa parte do seu corpo. Apodrecendo. Destino da carne. Sou prisioneira desse dia, desse tempo. Desse ano. Há escapatória? Ouvir música ajuda. Entrar num livro. Fazer planos para os dias bons. "I think I'm about to fall. Deeper and deeper..." |
Blog da ClauAmenidades. Categorias
All
Arquivos
November 2020
|